A indústria da construção civil é uma das atividades mais poluentes e geradoras de resíduos em todo o mundo. Para citar alguns números, em meados da década de 1990, na Grã-Bretanha, os processos de construção geravam cerca de 10 milhões de toneladas de resíduos pós-industriais. Há cerca de uma década, mais de 3,5 bilhões de novos tijolos eram usados por ano e cerca de 2,5 bilhões eram derrubados em demolições; do total, apenas cerca de 140 milhões foram reaproveitados, o restante foi encaminhado para aterros sanitários.
Quando consideramos o baixo percentual de materiais de construção que são recuperados em contraste com os materiais que, após completarem seu ciclo de vida, são enviados para aterros ou a quantidade de matéria-prima que deve ser extraída para a produção de novos materiais, podemos perceber que estamos enfrentando um grande problema: o setor da arquitetura, a indústria de materiais e a construção civil estão contribuindo enormemente para a geração de resíduos e a extração massiva de recursos naturais não renováveis.
Ainda mais quando falamos da construção de um novo edifício, o conhecido processo que começa “do zero” com a extração das matérias-primas envolvidas na produção de todos os materiais necessários para a realização do projeto; desde o canteiro de obras até os acabamentos finais. Considerando tudo isso, a transferência e o uso de energia durante o processo construtivo podem equivaler ao necessário para os próximos 10 ou 20 anos de operação da edificação.
Em um esforço para reverter esse processo de construção e projeto “do zero”, o conceito de reciclagem ou “upcycling” ganhou importância nos últimos anos. Designers, arquitetos, artistas e pesquisadores trouxeram esse problema para a mesa e, de suas trincheiras, refletiram sobre o que podemos fazer para projetar a partir de “pré-existências” e como é possível (re)incorporá-las em seus projetos.
Esta não é uma tarefa fácil, pois implica iniciar o processo de projeto e construção perguntando a nós mesmos; o que podemos fazer a partir de materiais existentes? E que possibilidades existem para recuperar o que outros consideraram lixo?
Com base nessa abordagem, buscam-se todas as alternativas possíveis para recuperar o que é tratado como resíduo e passar de um ciclo de vida linear, em que os materiais que “não servem mais” são simplesmente descartados sem pensar no que acontecerá com eles, a um ciclo de vida circular, em que o material descartado é transformado, reconfigurado ou combinado com outros materiais que também são reciclados para serem reincorporados a um novo ciclo de vida, mesmo com uso diferente do original.
Até algumas décadas atrás, parecia-nos apropriado simplesmente depositar os resíduos no lixo, em alguns casos, se mostrássemos um pouco de entusiasmo, até mesmo separá-los por categoria, mas sempre destinando outra pessoa para cuidar da próxima etapa. Esta foi uma tarefa simples, porque uma vez que deixamos de ver nossos resíduos, não nos perguntávamos onde iriam parar, o que aconteceu com eles depois de recolhidos, os problemas que eles poderiam gerar nos aterros e muito menos se poderíamos (re) aproveitá-los.
Embora atualmente projetar, construir e desenvolver novos materiais a partir de resíduos seja uma possibilidade, ainda representa um desafio para projetistas, arquitetos e profissionais da construção em geral, especialmente para aqueles que continuam vendo as matérias-primas como a única alternativa tradicional, pois implica inverter o processo de concepção; são os materiais existentes que definem o desenho, e não o desenho que define os materiais.
Por outro lado, é possível pensar que este tema deveria recair sobre os interessados, ou seja, aqueles setores que autonomamente se entusiasmam com a ideia de incorporar/recuperar resíduos nos seus projetos ou, com a geração de novos materiais. No entanto, é inconsciente pensar que de nossa trincheira não cabe a nós contribuir para reduzir o impacto ambiental do trabalho diário – considerando que nossa área é justamente uma das que mais gera resíduos e poluição – acreditando que este deve ser um tema de interesse apenas para ambientalistas e ecologistas, e que deveríamos ter permissão para continuar fazendo "o nosso trabalho individual".
Essas últimas posturas são justamente o que nos levaram a vivenciar e contribuir para inúmeros conflitos ambientais nos últimos anos, pois sempre caímos na ideia do "especialista nisso e desinteressado em tudo o mais", pensando que é responsabilidade do outro.
Estamos perto de chegar ao momento em que não será possível continuar com a produção dos materiais que até agora nos eram tão fáceis e acessíveis e, até lá, já demoramos em entender como podemos resolver nossas demandas. Por isso, é relevante pensar num futuro não muito distante, onde projetar e construir de forma sustentável começa pelos materiais que escolhemos e como são produzidos e gerados. Talvez, possamos questionar se o uso de materiais reciclados será a ação que define nossa contribuição para a redução do impacto ambiental gerado por nossas atividades ou se esta é a alternativa “vencedora” que finalmente acabará com a geração excessiva de resíduos e poluentes. De qualquer forma, este é um grande passo para aumentar a conscientização e levar nossa criatividade para além da linha que começa no desenho e na produção "do zero".
Este artigo é parte dos Tópicos do ArchDaily: O futuro dos materiais de construção. Mensalmente, exploramos um tema específico através de artigos, entrevistas, notícias e projetos. Saiba mais sobre os tópicos do ArchDaily. Como sempre, o ArchDaily está aberto a contribuições de nossos leitores; se você quiser enviar um artigo ou projeto, entre em contato.
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Daniela Cruz Martínez é arquiteta formada pela Faculdade de Arquitetura da UNAM (2022). Atualmente desenvolve estágio de pesquisa na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FADU) da Universidade de Buenos Aires na área de materiais reciclados e biomateriais aplicados a programas piloto de habitação social. Participou no desenvolvimento de projetos na área de Gestão Integral da Água e Paisagismo Regenerativo com a incorporação de estruturas hídricas, bem como instalações de sistemas de captação de águas pluviais em residências na Cidade do México e instalações recreativas em escolas relacionadas à autonomia da água em colaboração com UNICEF, ACNUR e CAEM (2019-2022).